RESISTÊNCIA CULTURAL:
a crise pandêmica faz a crise artística?
Sempre dependendo da presença de público, a classe artística se viu sem orientação no início da imposição de regras de prevenção à crise sanitária. Durante o ano, artistas tiveram que adaptar seus trabalhos ao contexto de pandemia.
Reportagem realizada pelos alunos de jornalismo Carlos Catelan, Hêndrica Carvalho, Jonathan Karter, Laura Dullius e Rafael Costa, para a discilina de Jornalismo Especializado, ministrada pela professora Sara Feitosa.
A recepção do público, os aplausos fervorosos, as críticas, o entrosamento de colegas. Típicos apontamentos das realidades de artistas ao redor do país todo e nas mais distintas áreas. Música, teatro, pintura… A pandemia do novo coronavírus deixou órfão o público fiel e artistas, sem muito apoio do governo.
Seguindo orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), estabelecimentos comerciais tiveram que fechar suas portas e as pessoas precisaram ficar em casa para conter a disseminação do vírus. Seguindo as mesmas regras, a categoria artístico-cultural, que sempre se sustentou sob aglomerações de pessoas em diversos espaços, se enxergou perdida com o cancelamento de eventos e a falta de atenção por parte do estado.
Uma pesquisa desenvolvida pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, com a participação de dez secretarias estaduais, incluindo a do Rio Grande do Sul, analisa os impactos da covid-19 no setor cultural do país. Os resultados parciais mostram que entre agosto e outubro mais de 50% dos participantes afirmaram ter tido metade da renda tradicional ou não ter tido renda alguma. Quando perguntados sobre os impactos em contratações e compras de materiais, cerca de 30% dos profissionais e instituições participantes disseram ter reduzido em 100% tais atividades. Contudo cerca de 60% conseguiu, parcialmente, adaptar suas prestações de serviços para a modalidade online.
Com atividades essencialmente coletivas e de intensos contatos corporais, aulas e apresentações teatrais tiveram de ser interrompidas. Os produtores tiveram de lidar com a frustração de não conseguir cumprir com o cronograma de apresentações e calendários tradicionais, uma vez que os impactos foram sentidos quase que imediatamente nas contas e na necessidade de reformulação da prestação de serviços. Com as aulas suspensas, alunos e parceiros não têm responsabilidade com os pagamentos. As atividades precisariam ser adaptadas para continuar a gerar renda.
“Apesar de ter sido o primeiro setor que parou, os artistas e fazedores de cultura foram pra internet, e começaram a movimentar. Foi esse setor que começou a movimentar efetivamente lives, bate-papo, roda de conversa, workshop, começou muito forte. Então é um setor que parou de receber, mas não parou de trabalhar”, destaca Lara Ordones, gestora cultural.
Mas a insegurança quanto às atividades online também esteve presente nesse momento de renovação e caos, segundo relata a professora e diretora de teatro do Instituto Alma, em Divinópolis-MG, Aryanne Souza: “Eu precisei de um tempo pra parar e pensar sobre as coisas que iam acontecer. Pra pensar se essa forma que ia acontecer o teatro seria uma forma que eu acreditasse. […] Eu sempre gostei de tratar de pessoas e ter um bom relacionamento com as pessoas, de ouvir as pessoas e conhecer. E é uma coisa que permanece. Se eu tivesse visto que não era possível, eu não ia querer dar continuidade online, ia preferir estar esperando ainda”.
Para registrar o traçado de como determinadas manifestações culturais se mantiveram dentro do quadro da pandemia, entrevistamos artistas do teatro em São Paulo, da produção musical em Porto Alegre, das transmissões ao vivo em Uruguaiana e do circo em Alegrete. Eles relataram suas histórias de auto sobrevivências dentro da arte.
TEATRO, DA TELEPRESENÇA AO RÁDIO
Em São Paulo, uma das grandes capitais mundiais do teatro, estão instaladas duas das mais tradicionais companhias do país, e, como apresentado, o ‘tradicionais’ fica somente por conta de seus legados. A companhia Os Satyros, de 1989, no coração das “coisas legais” da cidade, no centro, a praça Roosevelt; e, encabeçado por Zé Celso, o Teatro Oficina (Uzyna Uzona), símbolo da contracultura paulistana, resistente à ditadura militar brasileira, e mais de seis décadas de existência.
As duas casas têm particularidades distintas muito interessantes.O teatro de Zé Celso carrega um experimentalismo nas emoções terrenas e corpóreas, foi conhecido por seus espetáculos provocadores, com muita nudez e ironia, enquanto, Os Satyros flertam com a experiência do homem mecanizado, tecnológico e digital mais do que nunca. Mas ambos se encaixaram nesta realidade difícil de ser roteirizada, com inúmeras crises nacionais — sobretudo, a pandêmica -, de frente a um trabalho que depende tanto da presença do outro.
Primeiro sobre o Oficina; por meados de junho deste ano (19 de junho de 2020) a companhia lança ‘Para dar um Fim No Juízo de Deus’, um programa que mira no formato podcast e acerta na radionovela. Durando cerca de cinquenta minutos, o espetáculo produzido pelo coro do Uzyna é uma releitura de uma adaptação. O texto original é do francês Antonin Artaud, que em 1996 foi traduzido por Zé Celso ao palanque do Bexiga (bairro onde se localiza), no centenário do autor. Aqui, o texto se aproxima novamente de seu “original”, retornando aos “rádios”. Isso porque, Artaud inicialmente havia feito o texto como uma peça radiofônica.
“Nesse momento ainda não havia estreado até onde eu saiba nenhuma peça nesse formato. Fui conversando pensando nas possibilidades e ele [Marcelo Drummond] também já tinha pensado na possibilidade de fazer a peça. […] E enquanto a gente discutia isso, não sei exatamente quem se recordou que essa foi uma peça radiofônica, que o Antonin escreveu essa peça para ser apresentada no rádio. Para a Rádio Nacional Francesa. E por conta disso a gente pensou na possibilidade então de revisitar esse formato, mas agora no podcast; que seria, digamos, um paralelo com a rádio. E essa foi a nossa ideia. A partir daí a gente foi descobrindo a maneira de fazer”, conta Felipe Botelho, diretor musical da nova produção.
Assista a montagem para os palcos de ‘Para dar um Fim no Juízo de Deus’, clicando aqui.
“Fim no Juízo’’ contesta o dilema das finalidades da vida e por consequência as ordens divinas, tomando de volta, a proficiência do corpo. Buscando explorar as vontades e desejos, agora não mais guiados por uma bússola moral. É um texto humano e propositalmente chocante. Sobre a sua concepção, o diretor Marcelo Drummond por ligação: “Na hora que começou a pandemia não sabia o que fazer, fizemos uma reunião no zoom e começamos a ler as peças na intenção de fazer por ali mesmo”. Contam os envolvidos no projeto que estavam em cartaz quando o distanciamento se tornou uma medida obrigatória na cidade. Era o segundo dia da peça ‘O Bailando do Deus Morto’ quando o teatro fechou suas portas.
“E isso mudou tudo, por exemplo, não há transição de cena. A hora do coco [fazendo alusão a uma parte da peça], você ouve uma descarga, isso é diferente de você ver alguém cagando…. Eu queria ter o ambiente no local, e o som modifica isso, na igreja [outra cena] há um som, por exemplo. Quando o cara ta tocando uma punheta, as pessoas podem até não entender aquelas batidas ali, mas vem um gemido que liga ao sexo. É também muito sensorial, as pessoas estão livres da imagem que criamos. Quando fazemos uma cena, fazemos daquele jeito, você pode ver de outro ângulo, mas não muda, pelo áudio, você cria”, explica Drummond.
Assim se fez o primeiro podcast da Rádio Uzyna, totalmente gratuito e disponível nas plataformas de streaming (confira).
Com a equipe dos Satyros algo parecido aconteceu. O ator Diego Ribeiro relembra que, via zoom, realizavam reuniões, que depois, se tornaram ensaios. Assim se formou o espetáculo ‘A Arte de Encarar o Medo’. Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, os roteiristas, davam as coordenadas da dramaturgia, uma direção atenta e humanizada que liberava os atores para uma procura do inconsciente próprio. “O que você falaria em tal situação?”, perguntavam a eles. E esse colocar-se em cena é o espírito da peça. Os atores utilizam seus nomes, suas casas, seus cenários possíveis. “Acho que isso deixa muito próprio, muito íntimo de cada um”, conclui Diego sobre esta estratégia de construção.
“Os primeiros encontros foram muito chorosos, estávamos todos muito sensibilizados. Foi terapêutico, claro, mas doloroso. A gente viu os números aumentando, e íamos atualizando… Começamos na marca dos 100 mil casos”, disse o ator gaúcho.
Essa sensibilidade não era atoa. A obra, que também é transmitida ao vivo, mostra várias videochamadas, em um futuro onde se faz 5.500 dias de quarentena e as pessoas permanecem trancadas dentro de casa. E nesses cenários, encostam vários tipos de medos, inclusive solicitando à audiência que coloque no chat da sala, os seus. Diego Ribeiro: Então, a gente falou dos nossos medos primeiro, para falar do público”.
Você pode assistir ‘A Arte de Encarar o Medo’ via Sympla, confira.
Como dito anteriormente, Os Satyros já possuíam um perfil tecnológico e haviam trabalhado com a telepresença, mesmo que não um espetáculo inteiro. E talvez por isso tenham uma projeção contrária a do pessoal do Oficina: “Eu acho um trabalho realmente muito interessante, mas que ali é desse momento né. É uma coisa que se esgota, que no futuro com a volta do teatro físico, esse formato talvez não faça tanto sentido. Acho que é uma coisa talvez um pouco mais efêmera”, expressa Felipe Botelho. Já Ribeiro, diz que a pandemia mostrou que os limites do teatro são flexíveis e a vertente digital, mesmo que em menor frequência, deve seguir. “A tecnologia pode ser afetiva, gente comentava que via do hospital, sozinho, sendo uma forma de estar ali com alguém. Foi muito bonito como chegou e como chega. Desrregionalizou. Foi uma forma de acessar outras pessoas e não queremos perder esse espaço. Então, vai ter teatro na internet sim”, justifica.
Todavia todos concordam sobre as aprendizagens e evoluções. Sylvia Prado e Diego tiveram desafios parecidos com as plataformas novas e como aplicar suas interpretações nessas “novas telas”.
“Então eu não senti exatamente como uma limitação, eu senti como uma possibilidade de exercer diferentes usos do meu corpo, diferentes usos da minha voz, diferentes usos da minha plasticidade. O que eu estou produzindo como imagem? Uma coisa que talvez eu fizesse com meu corpo no teatro, nesta tela não cabe. Mas não que isso tenha sido prejudicial. Eu acho que isso é igualmente rico, porque você é obrigado a transformar naquela pequena estrutura toda a potência que você faria numa grande. Isso é um mecanismo muito interessante. Acho que no trabalho de ator então eu não me senti limitada. Eu me senti inventando novos caminhos e adequando a minha estrutura para aquele pequeno espaço. Não achei limitador, eu achei transformador”, narra Prado.
O RAP SEMPRE FOI SOBRE O VIVER
“O hip hop é a rua”. As palavras de Matheus Dias ecoam não só na sua manifestação como artista, mas ao longo de gerações que fizeram das realidades do cotidiano negro a música de protesto e inspiração para muitos. Na realidade pandêmica, por sua vez, Dias se viu um pouco perdido no seu método de inspiração. As ruas de Porto Alegre sempre foram os cenários que levava para as suas letras, agora, com as regras de distanciamento, não pode ultrapassar os portões de casa.
Antes que o mundo entrasse de fato no colapso do coronavírus, a rotina de Dias se alternava entre trabalho no estúdio e na vida de estudante universitário. Tendo o seu processo criativo concentrado, justamente, nas realidades que via e convivia: “A troca com as pessoas era o que sustentava o meu bloco de notas”, relembra o rapper. Diante de regras sanitárias, o estúdio que atuava permaneceu fechado por boa parte do ano, impactando diretamente nos projetos para 2020. E hoje, por mais que fique parcialmente aberto, o ritmo não consegue ser mais o mesmo: “eu posso escrever uma letra aqui e pedir pro produtor produzir o restante pra mim, mas não é a mesma coisa.”
Outra coisa que acertou em cheio Matheus Dias durante a pandemia foi o bloqueio criativo. Longe de todo o ambiente perfeito para compor músicas e administrar toda a rotina de produção dentro do estúdio limitado, os primeiros meses de distanciamento foram bem pesados. “Aquele clima de fim de mundo no início da pandemia foi propício pra eu me fechar mais no meu mundo, mas foi ali que eu tive a oportunidade de me procurar”, conta. Mas isso levou um tempo; enfrentando dias que se desenhavam num vazio, Matheus buscou forças nos amigos. Foi a partir disso que nasceu o projeto ‘Prato Solidário’, no qual ele e mais alguns parceiros de atividade levam refeições à pessoas em situação de rua. “Foi uma coisa que mudou muito a minha percepção de mundo dentro da pandemia. Eu já estava envolvido com projetos sociais, mas não dessa forma como está sendo agora. Eu consegui voltar a ter a troca de ideias com os amigos e com essas pessoas que a gente atende no projeto”.
O último trabalho publicado por Matheus Dias foi ‘Yo Akin’, EP de 4 faixas lançado em 21 de julho de 2020. Trazendo participações de Cristal, Camisolão e June Papi, Dias traz mais um pedaço da realidade da sua visão do mundo em rimas cirurgicamente encaixadas. Atualmente disponível nas principais plataformas digitais, ele explicou que foi bem complicado, mas ao mesmo tempo foi muito bom o processo de produção. A ideia inicial do lançamento seria em março, mas devido a pandemia, ’Yo Akin’ quase foi engavetado. “Tinha a sensação de dever cumprido. O EP estava pronto, mas não tinha planos de lançamento… Então numa noite estava quase pegando no sono quando esse número veio à mente [217]. Vi no calendário e marquei a data”.
O rapper revelou ainda que não tinha preocupações com a promoção de lançamento, já que o trabalho teria uma personalidade pensada para as redes sociais, o digital, e não para apresentações ao vivo em casas de show. “Os clipes também são importantes. Sempre conseguimos alcançar mais pessoas com a nossa música fazendo clipes, mas dessa vez sabíamos que seria muito diferente”. O clipe da música ‘Eu Já Tentei’ teve um tempo de produção menor devido ao cenário pandêmico. Mesmo assim, estreou no dia 3 de novembro no YouTube. “O resultado foi muito bacana. Teve bastante recepção do público e o que mais me ganhou foram os comentários onde as pessoas se sentiram representadas, principalmente os mais novos”, orgulhou-se.
O último trabalho publicado por Matheus Dias foi ‘Yo Akin’, EP de 4 faixas lançado em 21 de julho de 2020. Trazendo participações de Cristal, Camisolão e June Papi, Dias traz mais um pedaço da realidade da sua visão do mundo em rimas cirurgicamente encaixadas. Atualmente disponível nas principais plataformas digitais, ele explicou que foi bem complicado, mas ao mesmo tempo foi muito bom o processo de produção. A ideia inicial do lançamento seria em março, mas devido a pandemia, ’Yo Akin’ quase foi engavetado. “Tinha a sensação de dever cumprido. O EP estava pronto, mas não tinha planos de lançamento… Então numa noite estava quase pegando no sono quando esse número veio à mente [217]. Vi no calendário e marquei a data”.
O rapper revelou ainda que não tinha preocupações com a promoção de lançamento, já que o trabalho teria uma personalidade pensada para as redes sociais, o digital, e não para apresentações ao vivo em casas de show. “Os clipes também são importantes. Sempre conseguimos alcançar mais pessoas com a nossa música fazendo clipes, mas dessa vez sabíamos que seria muito diferente”. O clipe da música ‘Eu Já Tentei’ teve um tempo de produção menor devido ao cenário pandêmico. Mesmo assim, estreou no dia 3 de novembro no YouTube. “O resultado foi muito bacana. Teve bastante recepção do público e o que mais me ganhou foram os comentários onde as pessoas se sentiram representadas, principalmente os mais novos”, orgulhou-se.
Os primeiros meses de pandemia do novo coronavírus trouxe esse momento de reflexão a artistas da cidade de Porto Alegre, entretanto, o pão de cada dia ficou mais difícil. Para auxiliar os músicos no enfrentamento à situação, a Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre lançou editais emergenciais de auxílio à cultura, além de atuar seguindo a Lei Aldir Blanc. A secretaria também ofereceu uma programação online intensa, adaptando, por exemplo, o festival Poa Em Cena para o ambiente virtual.
LEI ALDIR BLANC
A Lei nº 14.017/2020, conhecida por Lei Aldir Blanc foi promulgada em agosto, dois meses após ser aprovada pelo Congresso, e disponibilizou R$ 3 bilhões para remuneração emergencial no valor de R$600 para trabalhadores do setor da cultura e valores entre R$3 e R$10mil para subsídios de manutenção de espaços artísticos. Para ter acesso, os artistas precisaram comprovar atividades na área nos últimos dois anos e renda em 2018 de até R$28.559,70.
Essa política pública é importante, pois reconhece a falta de proteção individual e a alta taxa de trabalhadores informais deste setor. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas mostra que em 2020 mais de 60% das empresas ligadas à área de cultura tiveram de paralisar suas atividades, acarretando queda no faturamento e até demissões.
Os recursos foram enviados para as secretarias estaduais e municipais de cultura, para serem repartidos de acordo com a população e a quantidade potencial de beneficiários. Apesar disso, alguns desafios estão sendo enfrentados como capacidade de assistir a população focal da medida e a falta de recursos tecnológicos para cruzamento de dados e liberação dos auxílios.
Nomeada em homenagem ao cantor e compositor falecido em maio deste ano, os beneficiários da Lei Aldir Blanc terão que fornecer seus serviços culturais de maneira gratuita para alunos da rede pública, de preferência da fase infantil, quando houver o retorno das atividades normais.
NA FRONTEIRA OESTE, O PAGODE RESISTE
Muito conhecido por tocar nas noites da cidade de Uruguaiana, no interior do Rio Grande do Sul, o grupo de pagode, Trio Mestiço, vem se refazendo com a chegada da pandemia. O grupo que já toca há quase quatro anos na cidade, é formado por três intérpretes, Paulo Dias, Paulinho e Dodô; todos têm como única renda a música.
Assim como contamos sobre os teatros paulistanos, desde que o distanciamento social chegou, eles também tiveram que se adaptar a um novo formato: as famosas “lives”, transmissões ao vivo, que ganharam um destaque muito importante no cenário musical. O trio que tinha como cartão suas apresentações calorosas em bares, festas e locais fechados, tiveram que reforçar o uso das redes para ter a resposta do público que antes vinha desses encontros.
Paulinho, relata que até este momento ainda é bem difícil se acostumar com esse novo formato, de apresentação por live, “Tínhamos o costume de interagir com o público e agora com uma câmera na frente tentar agir naturalmente é complicado, sabemos que tem dezenas de pessoas nos assistindo, mas mesmo assim.”
O grupo e outros artistas locais tiveram ajuda da Secretaria de Cultura que fez algumas lives para ajudar na divulgação dos seus trabalhos, nos dias 04 de setembro e a última no dia 06 de novembro. Com a chegada da pandemia, o município de Uruguaiana também se beneficiou da nova lei nº 14.017 (Lei Aldir Blanc), destinada à promoção de ações ligadas à cultura, além de uma renda emergencial para trabalhadores da área. O decreto federal entende que em virtude da Covid-19, esses profissionais tiveram sua única fonte de renda afetada e assim, impossibilitando de trabalhar nas noites da cidade.
CONTRA O VÍRUS, O FRIO E O ABANDONO FEDERAL: A RESILIÊNCIA DO CIRCO FOX
O Circo Fox nasceu na cidade de Boa Esperança, no Paraná, pelas mãos da família do seu Djalma Dias Faria, e em 14 anos de história nunca tinham passado por nada que fosse nem semelhante à pandemia. Essa parada obrigatória pegou todos de surpresa. O Fox estreou em Alegrete, Rio Grande do Sul, dia seis de março, dez dias exatos depois, fechou suas portas, baixando sua lona. O circo tinha aproximadamente 25 componentes que se dividiam entre equipe técnica e artistas. Desde a paralisação foram dispensados 10 integrantes, ficando apenas os 15 artistas que compõem uma mesma família.
Sem picadeiro, os que ainda vivem no circo apostam na venda de doces para sobreviver. É o que relata Áurea Celestina De La Torre. Trabalhando há 60 anos no circo, já foi contorcionista, trapezista, acrobata, bailarina e paradista, hoje exerce outras funções. “Estamos trabalhando vendendo coisas típicas de circo como maçã do amor, pipoca, algodão doce e bolas coloridas, é assim que a gente está se virando para sobreviver”, conta.
Mas a parada reserva outros desafios além do dinheiro. Alegrete, cidade onde Circo Fox está desde o começo da pandemia, é uma das cidades mais frias do Rio Grande do Sul, e uma vez que não estava no cronograma permanecer tanto tempo, a temperatura também não era esperada. Para amparar os circenses, pessoas da cidade os convidaram para participar de uma “live do bem”, arrecadando doações para os integrantes do circo e pessoas economicamente vulneráveis da cidade. Chegaram doações de roupas, que são ideais para a passagem do frio, e também doações de alimentos.
Dédora Luisa De La Torre, natural da cidade de Sorocaba, no interior do estado de São Paulo, exerce as funções de trapezista, contorcionista e faz parte dos shows infantis. A jovem conta que a presença online do circo sempre foi uma questão importante, e durante a crise não foi diferente. As lives vieram para ressaltar ainda mais o trabalho da companhia. “Participamos de lives levando alguns de nossos personagens voltados para o público infantil, para assim mostrar um pouco do nosso trabalho e também no intuito de ajudar no arrecadamento de donativos” evidencia a artista.
Os circenses ainda estão no município de Alegrete, sem data de partida, não recebem nenhum tipo de auxílio do governo e até o dia de hoje (26 de novembro de 2020) suas contas estão sendo pagas com as vendas feitas nas ruas .